Tributo a Cesar Marques


Neste 2019 completam-se três datas relativas a um dos mais gigantescos esforços editoriais da História e Cultura maranhenses, o “Dicionário Histórico-geográfico da Província do Maranhão”, do médico, pesquisador, historiador e tradutor caxiense César Augusto Marques. 

São datas simples, mas são de reconhecimento, inclusive de “mea culpa”, ante tantas incompreensões de que foi alvo o esforço do ilustre maranhense.

Duas das datas referem-se ao sesquicentenário (150 anos) da recomendação de impressão da obra pela Assembleia maranhense e o reconhecimento do IHGB (Instituto Histórico e Geográfico do Brasil), também em 1869, por meio de parecer em que destacava o valor da augusta obra. E ainda, neste 2019 completa-se meio século (1969) de aprovação de custeio de nova edição do “Dicionário” cesariano pelo Governo estadual, que, no mesmo documento, reconheceu o erro histórico do Poder Legislativo maranhense de 1869, que negara a impressão da obra -- e o ponto simbolicamente mais negativo dessa negação foi o voto de um parlamentar caxiense, que, para dizer o mínimo, não deve ter compreendido o alcance do mastodôntico trabalho de seu conterrâneo da “Princesa do Sertão”.


* * *

Em agosto de 1999 escrevi o texto abaixo para ser publicado em minha coluna semanal no jornal “O Estado do Maranhão”, de São Luís.

A matéria saiu na edição de 16 de agosto de 1999 daquele jornal. Nela eu concitava e incitava autoridades públicas e organizações privadas a patrocinarem a reedição de uma obra de referência das mais referenciadas e reverenciadas do universo histórico e bibliográfico maranhense.

Eu nem intuía que, menos de dez anos depois daquela véspera de fim de século e de milênio, o esforçado, operoso e produtivo escritor, pesquisador e editor Jomar Moraes realizaria – talvez sem saber disso -- as secretamente explícitas vontades do artigo que escrevi. Em 2008 saiu, sensivelmente enriquecida, monumentalmente trabalhada, a terceira edição do grande “Dicionário” do meu conterrâneo caxiense o médico, pesquisador, escritor, professor e tradutor César Augusto Marques. Para minha surpresa, a edição de esforço igualmente hercúleo do Jomar traz meu nome nos acréscimos feitos pelo editor, em razão da obra que escrevi -- “Enciclopédia de Imperatriz” --, igualmente citada.

Eis o artigo de 1999, há vinte anos:

* * *
UM TRIBUTO A CÉSAR MARQUES



No dia 5 de outubro de 2000 completar-se-ão cem anos da morte de César Augusto Marques, o médico e historiador caxiense autor do “Dicionário Histórico-geográfico da Província do Maranhão”. César Marques nasceu em 12 de dezembro de 1826 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1900.

É o caso de sugerir aos Poderes e às Representações da Cultura caxiense e maranhense a reedição da obra maior de César Marques, revista, anotada e, sobretudo, enriquecida em aspectos que não puderam ser incorporados à edição de 1970, ano em que a obra completou seu centenário. (Lembre-se que, em 1864, saíram em volume os “Apontamentos para o Dicionário Geográfico, Histórico, Topográfico e Estatístico da Província do Maranhão”, espécie de “amostra”, em 376 páginas, do “Dicionário” que circularia seis anos mais tarde).

César Marques afadigou-se muitíssimo para compor sua obra-prima. Sofreu injustiças e teve muitas contrariedades em seu próprio Estado, embora, em igual momento histórico, naquela segunda metade do século 19, tenha tido também muitos reconhecimentos, especialmente de outras partes do País.

Algumas dessas incompreensões e posições absurdas estão gravadas pelo buril da História. Entre essas obtusidades, a negativa do então presidente da província do Maranhão, José da Silva Maia, que, em 30 de junho de 1870, deu seu parecer contrário à impressão da obra, recomendada em proposta (projeto-de-lei) da Assembleia em 14 de junho de 1869.


O que disse o governante: “Nego sanção ao presente projeto-de-lei por julgá-lo inconveniente aos interesses da Província (...)”. Em outra parte, continua: “(...) não é possível a concessão de favor tão elevado (...)”.

Segundo César Marques, o “tão elevado” valor (4 contos de réis) mal dava para pagar o papel. Registre-se, com pesar, que o ilustre caxiense Dias Carneiro foi um dos 13 que se aliaram ao governo provincial e votaram contra (foram sete votos a favor).

Cem anos depois, em 14 de novembro de 1969, em despacho onde aprovava o custeio, pelo Estado, de uma nova edição do “Dicionário”, o governador José Sarney assume o erro histórico de um daqueles 13 que votaram contra, seu bisavô Luís Guilherme (César Marques grafa “Guilherme Luís” em texto onde narra a “história” de seu livro-mor). Anotou Sarney: “Aprovo com o maior orgulho. Estou redimindo o meu bisavô, Luís Guilherme, que na Câmara Estadual negou a verba para a edição primitiva”.





Em 1870, já com o reconhecimento do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (que, em 22 de novembro de 1869, emitira parecer destacando o valor da obra), César Marques assumiu ônus financeiro pesadíssimo e publicou o primeiro volume (da letra “A” à “F”) do seu “Dicionário”.





Agora, quando, no dizer do próprio César Marques, “o frio da lousa do sepulcro tiver gelado todas as paixões que hoje nos inflamam e nos arredam uns dos outros”, poderia a comunidade política, empresarial e cultural caxiense iniciar ações conjuntas para um tributo à altura do tamanho intelectual e do esforço pessoal que nosso conterrâneo colocou a serviço não somente do “Dicionário Histórico-geográfico” mas do próprio Brasil.





Se Caxias ou o Maranhão acham que devem essa “gentileza” ao passado, ao presente e ao futuro, têm de começar logo. Há muitos filhos de Caxias espalhados Brasil e mundo afora, que poderiam se sensibilizar e contribuir, de alguma forma, para a execução de um projeto assim, que só nos orgulha de nossa condição de caxienses e maranhenses.





Há material bibliográfico importantíssimo para ser agregado ao trabalho de César Marques, corrigindo-o, atualizando-o, contextualizando-o e dotando-o de recursos editoriais (como índices, por exemplo), que facilitariam sobremaneira sua leitura e pesquisa. Como anota copiosamente Raimundo Nonato Cardoso, em texto introdutório à edição de 1970 (“bancada” pela extinta Superintendência de Desenvolvimento do Maranhão), há material de valor imensurável elaborado por estudiosos da estirpe, por exemplo, de Antônio Lopes e Domingos Vieira Filho.





Devemos aprender com os erros da História, não repeti-los. Entre tantas e tantas demonstrações de desprezo e desamor à própria memória, não devemos assumir mais essa. Em um aviso “aos Srs. Assinantes”, César Marques lamentava: “Muito pequeno foi o número dos que nos ajudaram nesta impressão, e infelizmente não chega o importe (valor total) de suas assinaturas para saldar metade do débito que contraímos a fim de dar à luz esta obra”. A seguir, nosso historiador maior confirmava: “Não admira porém este fato, porque além de andar muito descuidado entre nós o estudo da História e da Geografia, especialmente a brasileira e particularmente a maranhense, a obra foi impressa no Maranhão, é escrita por maranhense e, portanto, são estes acidentes motivos poderosos e convincentes para não ser a obra lida, quanto mais procurada (...)”.





Adiante, César Marques constata/denuncia, em contraponto, o valor e os salamaleques com que favorecemos e recebemos os que vêm de fora, numa espécie de “síndrome de colonizados”. Acreditava nosso médico historiador, não sem razão até hoje, que, se o “Dicionário” “viesse do estrangeiro ou fosse escrito por qualquer ‘turista’”, seu autor não teria qualquer problema financeiro, receberia apoio, mesmo que posteriormente nos ridicularizasse e nos insultasse em função de nossa cultura, de nossos usos e costumes.





Reeditar, enriquecidamente, o “Dicionário” de César Marques, quando se completa um século da morte do autor em outubro de 2000 e 130 anos do lançamento de sua maior obra, poderá ser um dos grandes momentos histórico-culturais do ano que marcará o fim do milênio. Demonstrará, sobretudo, que não queremos nos esquecer de nós mesmos. Até porque o passado de Caxias e do Maranhão ainda é a maior, a mais resistente e a mais reconhecida e respeitada referência de que dispomos e de que nos gloriamos, ainda não superada pelo momento presente nem possível de ser descartada como base para o futuro --- qualquer que seja ele.



EDMILSON SANCHES

(esanches@jupiter.com.br)



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